O planejamento tributário visa, por meio de arranjos societários que operam nos campos de não-incidência da norma tributária e nas lacunas da legislação, a inexigibilidade do tributo, sua redução ou o diferimento da obrigação de pagá-lo, também conhecido como elisão fiscal.
Contudo, sua validade é de longa data discutido entre fisco e contribuintes, uma vez que é praxe dos auditores fiscais desconsiderar as reorganizações societárias quando as transações são feitas por razões meramente fiscais.
Isso quer dizer que os atos societários com o único objetivo de economia de tributos não são considerados validados pelas autoridades fiscais, que exigem uma justificativa a mais para operação, sendo que esse “a mais” é o chamado propósito negocial.
Com intuito de limitar as manobras de elisão fiscal, e mitigar os planejamentos tributários efetuados pelos contribuintes, surge o parágrafo único, do art. 116 do CTN, que preceitua “A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”
Nota-se que conferiu poderes à autoridade administrativa para atuar em casos de dissimulação da ocorrência do fato gerador por parte do contribuinte, tornando tais atos ou negócios jurídicos como inexistentes, constituindo-se cláusula antielisiva genérica.
Nesse sentido, sua validade foi questionada e o Superior Tribunal Federal (STF), em abril de 2022, através da ADI 2.446, manifestou-se declarando-a constitucional.
Apesar de aparentemente ser um posicionamento desfavorável aos interesses dos contribuintes, na verdade resulta num entendimento extremamente propício àqueles que objetivam, licitamente, a redução da carga tributária. Isso porque, o voto da Relatora Ministra Cármen Lúcia, seguido pela maioria dos Ministros, deixa claro que norma antielisiva não proíbe que o contribuinte busque, por vias legítimas, a economia fiscal, realizando suas atividades de forma menos onerosa, deixando, assim, de pagar tributos quando não configurado o fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada.
Inclusive, reforça a necessidade de uma lei para que se possa aplicar limites aos planejamentos tributários embasados em atos lícitos, consoante se extrai do seguinte trecho do vota da Ministra “a plena eficácia da norma depende de lei ordinária para estabelecer procedimento a serem seguidos”
Assim, no cenário atual, que inexiste qualquer norma que estabelece critérios objetivos dos limites da elisão fiscal, o Fisco deve observar os conceitos jurídicos dos ilícitos do Código Civil (a fraude, a simulação, o dolo e abuso de direito) quando pretende desconsiderar o planejamento tributário, de modo que não há que que se falar em invalidade quando aquele exerce tão somente a faculdade que lhe foi outorgada em lei.
Esse racional pode ser observado nos julgados mais recentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, em especial no julgamento do processo 16561.720192/2012-09, que apesar de tratar da possibilidade da qualificação da multa e não da validade do planejamento tributário, exprime o entendimento de que não encontra qualquer respaldo legal a desconsiderações de negócios jurídicos quando ausentes razões negociais, sendo necessário demonstrar e comprovar a prática de fraude, sonegação ou conluio nas transações.
Nesse sentido, o Conselheiro Caio Cesar Quintella, ao pronunciar o voto vencedor, estabelece “Ora, é certo que a utilização de conceitos como a materialidade econômica das operações e a averiguação dos propósitos negociais na apuração dos fatos colhidos pela Fazenda Pública são ferramentas úteis e válidas para a investigação da presença ilícitos, defeitos, falsidades ou qualquer outra irregularidade efetivamente previstas em Lei (provando-se, ao final, a materialização de suas hipóteses de ocorrência), mas, simplesmente, desconsiderar operações e multar, pesadamente o contribuinte, mediante a conclusão que houve, finalisticamente, uma economia tributária e ausente motivação empresarial, não pode ser aceito ou tolerado.”
Outro caso que é possível observar essa lógica é no processo 16682.720568/2018-96, que se analisa a tributação de PIS e COFINS submetido ao regime monofásico nas operações de venda realizadas por indústria a atacadistas do mesmo grupo econômico [interdependentes], em que o fisco acusou os contribuintes de omissão de receita em decorrência de vendas subfaturadas. Para os conselheiros do CARF o planejamento tributário efetuada é válido, uma vez que não houve a comprovação de qualquer ilícito, e as empresas envolvidas na operação “possuem substância econômica, têm funcionários, espaço de armazenamento dos estoques, contabilidade própria e informam todas as obrigações contábeis e fiscais no SPED.”
Sendo assim, até que se tenha alguma mudança legislativa concreta quanto aos limites do planejamento tributário, é necessário que o contribuinte acompanhe de perto a jurisprudência pátria, a fim de assegurar seu direito de estruturar seus negócios como melhor lhe convém.
Por Carolina de Mello Vieira
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