O comércio varejista obteve, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), um importante precedente contra o pagamento de PIS e Cofins sobre bonificações concedidas em mercadorias e descontos dados por fornecedores. Os desembargadores entenderam que não têm natureza de receita e, portanto, não podem ser tributados.
É a primeira decisão de segunda instância sobre tema que se tem notícia, segundo especialistas. No acórdão, porém, os desembargadores da 2ª Turma do TRF-4 fizeram a ressalva que o entendimento não vale para desconto por meio de devolução em dinheiro ao comerciante – medida pouco usada atualmente.
O embate começou a ganhar força em 2017, quando a Receita Federal passou a orientar os fiscais do país de que deve incidir PIS e Cofins sobre valores em dinheiro e abatimentos recebidos de fornecedores, com a edição da Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) nº 542. No caso de bonificações em mercadorias, o posicionamento está na Solução de Consulta Cosit nº 202, publicada no ano passado.
Essas práticas são comuns entre fornecedores e varejo, mas de 2017 para cá têm gerado autuações fiscais. Diversos contribuintes, entre redes de supermercados e de farmácias, foram multados em valores milionários. O caso agora julgado pelo TRF-4 é da rede Walmart.
Muitas dessas autuações foram discutidas na esfera administrativa. Contudo, afirma o advogado Rafael Nichele, do escritório que leva seu nome, há um cenário desfavorável aos contribuintes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
A questão passou então a ser judicializada. Os varejistas alegam que bonificações e descontos não podem ser considerados como receita, e sim como redução do custo de aquisição. O que agora foi confirmado pela 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – com exceção dos valores recebidos em dinheiro.
Para Rafael Nichele, o principal ponto da decisão, e que deve ser comemorado pelos contribuintes, é o entendimento relativo à não incidência de PIS e Cofins sobre descontos recebidos em títulos e boletos bancários, independentemente de constarem ou não em notas fiscais. Já com relação aos valores recebidos em dinheiro, destaca o advogado, “não daria para dizer que não seria receita”.
No julgamento do TRF-4, finalizado neste mês de agosto, ficou vencido o relator, o juiz federal convocado Roberto Fernandes Júnior. Por maioria, os desembargadores, em turma ampliada, mantiveram sentença que anulou parte do auto de infração aplicado ao Walmart.
O relator votou por anular por completo a autuação fiscal. Com a divergência aberta pelo desembargador Alexandre Rossato, seguida pela desembargadora Maria de Fátima Freitas Labarrére, e o placar de dois votos a um, a turma teve que ser ampliada, como determina a legislação. Mais dois desembargadores foram convocados e votaram seguindo a divergência.
De acordo com ementa, “ao comprar com desconto, o contribuinte reduz o seu custo de aquisição e isso não tem a natureza jurídica de receita para efeitos de incidência das contribuições ao PIS e Cofins”. O fato de a redução do custo de aquisição aumentar o patrimônio líquido, acrescenta a decisão, “não tem relevância porque não se está diante de tributos que incidem sobre variação patrimonial positiva, mas sobre receitas” (processo nº 5052835-04.2019.4.04.7100).
Para o desembargador Alexandre Rossato da Silva Ávila, que abriu a divergência e foi seguido pelos demais julgadores, “comprar com desconto não tem a mesma natureza jurídica de vender com desconto”. “Ao comprar com desconto”, afirma em seu voto, “a autora reduziu o seu custo de aquisição e isso jamais pode ter a natureza jurídica de receita para efeitos de incidência das contribuições ao PIS e Cofins”.
Ainda de acordo com o desembargador, “o fato de a redução do custo de aquisição aumentar o patrimônio líquido não tem relevância porque não se está diante de tributos que incidem sobre variação patrimonial positiva, mas sobre receitas”.
Por nota, a advogada que assessora o Walmart no processo, Daniella Zagari, do escritório Machado Meyer, informa que a decisão é de extrema relevância por ter analisado de forma bastante profunda a natureza dos descontos comerciais pactuados entre o varejista e seu fornecedor. “Corretamente, a decisão corrigiu o entendimento da Receita Federal, que é considerar que o desconto – que é redutor do custo de aquisição da mercadoria – seria uma receita do adquirente”, diz.
O precedente, acrescenta a advogada, “é extremamente relevante para o mercado de varejo, que trabalha com descontos comerciais, e também porque bem demonstra que a correta interpretação de institutos de direito é fundamental para aplicação das normas de incidência tributária”.
Rafael Nichele considera a decisão um importante precedente para empresas atacadistas e varejistas que têm acordo comercial com seus fornecedores. “As empresas estavam apreensivas. Algumas sofreram autuações milionárias por manter uma prática comercial que sempre existiu”, afirma.
O advogado Matheus Bueno, do escritório Bueno Tax Lawyers, também concorda que é um bom sinal ter uma decisão favorável no TRF da 4ª Região. “É um tema espinhoso e a decisão é muito boa ao dizer que esses descontos e bonificações não seriam receita, mas a redução de um custo.” Procuradas pelo Valor, a rede Walmart e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deram retorno até fechamento da edição.
Fonte: VALOR