A Receita Federal admitiu, pela primeira vez, a possibilidade de tomada de créditos de PIS e Cofins, pelas empresas no regime não cumulativo, sobre os gastos com tratamento de efluentes, resíduos industriais e águas residuais, considerados indispensáveis à viabilização da atividade empresarial. O entendimento está na Solução de Consulta nº 1, edita editada em janeiro pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), que vincula toda a fiscalização.
A consulta foi apresentada por uma empresa do setor de curtimento e preparação de couro. Porém, segundo o advogado tributarista que assessora o contribuinte, Gilberto Luiz do Amaral, sócio do Amaral, Yazbek Advogados, esse mesmo raciocínio vale para indústrias e prestadores de serviços que são obrigados por lei a fazer o tratamento de resíduos. Entre eles, os setores alimentício e farmacêutico.
De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), são gerados cerca de cinco mil metros cúbicos por dia de efluentes industriais, dos quais 60% são despejados de modo irregular em rede de esgotos e corpos d’água. Seria como produzir o equivalente a 500 caminhões-tanque por dia, dos quais 300 iriam parar na natureza.
No pedido, a indústria de couros afirma que, em razão da atividade que exerce, são gerados efluentes (resíduos) no processo de recurtimento, estiragem e secagem do couro, que vão para o sistema de tratamento. E que esse processo é indispensável para o funcionamento da produção e acabamento do couro de forma sustentável e não danosa ao meio ambiente, em cumprimento à legislação ambiental.
Sem a adoção de medidas de preservação do meio ambiente, como o tratamento de efluentes, acrescenta a empresa, não pode obter licenciamento para o exercício de suas atividades, conforme prevê o artigo 2º, parágrafo 1º, e anexo 1 da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 237, de 1997. Por fim, destaca, de acordo com a Lei nº 9.605, de 1998, a emissão indevida de efluentes é tipificada como prática criminosa, que acarreta inclusive a vedação do exercício da atividade por parte da empresa.
Na análise do caso, a Receita Federal levou em consideração o julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em repetitivo (REsp 1221170), que definiu o conceito de insumos para créditos de PIS e Cofins. Para os ministros, deve-se levar em consideração os critérios da essencialidade ou da relevância do bem ou serviço para a produção de bens destinados à venda ou para a prestação de serviços pela pessoa jurídica.
Ao verificar as regulamentações do Conama, que obrigam o tratamento dos resíduos e o teor da Lei nº 9.605, que tipifica como crime quem não o fizer, a Receita Federal entendeu que seria o caso de considerar a atividade como insumo para a geração de créditos de PIS e Cofins.
Segundo o advogado Gilberto Luiz do Amaral, é a primeira vez que é elaborada uma solução de consulta que estabelece essa lógica com relação ao tratamento de resíduos. “Sem esse tratamento dos resíduos obrigatório por lei, não há licença ambiental e, portanto, produto”, diz. “A Receita consagrou os critérios da necessidade, essencialidade e imprescindibilidade para reconhecer como insumo e gerar créditos de PIS e Cofins.”
Douglas Rogério Campanini, sócio-diretor da Athros Auditoria e Consultoria, afirma que a Receita Federal acabou se curvando à decisão do STJ de 2018 e que tem dado interpretações menos restritivas sobre a possibilidade de créditos de PIS e Cofins no regime não cumulativo. Para ele, esse mesmo raciocínio, aplicado ao setor de couros, pode também ser usado por empresas do setor alimentício, por exemplo, que usam água na sua produção e depois são obrigadas, por lei, a tratá-la antes de devolvê-la ao meio ambiente.
“Esse ponto de vista da Receita está totalmente adequado e coerente, uma vez que esse tipo de despesa é totalmente necessária”, diz. Ele lembra que as empresas que estiverem exatamente na mesma situação podem pedir administrativamente os créditos dos últimos cinco anos.