Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por 6 votos a 4, votaram, nesta quarta-feira (20/10), pela inconstitucionalidade dos dispositivos da reforma trabalhista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que fazem com que o beneficiário da Justiça gratuita pague pela perícia e os honorários advocatícios sucumbenciais, caso seja a parte vencida.
Por 7 votos a 3, permaneceu apenas a cobrança do pagamento das custas processuais em caso de arquivamento injustificado por ausência em audiência.
Os ministros não modularam a decisão, sendo assim, vale a interpretação que os artigos sempre foram inconstitucionais e, portanto, é como se eles não tivessem sido válidos no ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, segundo especialistas consultados pelo JOTA, os beneficiários que pagaram pela Justiça gratuita poderão reaver os valores. Há uma corrente que defende que a modulação poderá ser pedida via embargos de declaração, pois podem haver dúvidas se os valores podem ser revistos em ações em andamento e nas transitadas em julgado.
Esta é mais uma da série de ações que questionam a reforma trabalhista, sancionada pelo governo de Michel Temer e é uma perda para os defensores das modificações feitas em 2017. No entanto, fontes consultadas pelo JOTA acreditam que a posição firmada não garante que a Corte se posicionará contra a reforma trabalhista em todos os itens, para eles, a análise será feita caso a caso.
A discussão começou em maio de 2018 e foi interrompida pelo pedido de vista do ministro Luiz Fux. O tema voltou a julgamento na semana passada e terminou nesta quarta-feira. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5766, a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionou dispositivos que alteraram a gratuidade da justiça dos trabalhadores que comprovem insuficiência de recursos.
O MPF sustentou que a previsão de que o trabalhador pague honorários periciais e de sucumbência usando recursos que obtiver em caso de êxito em parte do processo ou até mesmo em relação a créditos de outro processo afronta a garantia de amplo acesso à justiça.
A ADI requereu a declaração de inconstitucionalidade do artigo 790-B da CLT (caput e parágrafo 4º), que responsabilizou a parte sucumbente (vencida) pelo pagamento de honorários periciais, ainda que beneficiária da justiça gratuita. Na redação anterior da norma, os beneficiários da justiça gratuita estavam isentos; com a nova redação, a União custearia a perícia apenas quando o beneficiário não tiver auferido créditos capazes de suportar a despesa, “ainda que em outro processo”.
Também foi impugnado o artigo 791-A, que considera devidos honorários advocatícios de sucumbência por beneficiário de justiça gratuita, sempre que tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa. Outro item era a validade do dispositivo que responsabiliza o beneficiário da justiça gratuita pelo pagamento de custas caso o processo seja arquivado em razão de sua falta à audiência, até como condição para ajuizar nova demanda (artigo 844, parágrafo 2º).
Votos
Durante o julgamento, apareceram três correntes distintas para a solução do problema. Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, divergente, e em parte do relator, ministro Luís Roberto Barroso. Para Moraes, não é razoável cobrar do trabalhador hipossuficiente o acesso à Justiça. “Não entendo razoável a responsabilização nua e crua”, afirmou o ministro durante o voto. Porém, ele ponderou que a ausência não justificada pode ensejar as cobranças judiciais.
Assim, para Moraes são inconstitucionais os artigos 790-B, caput e §4º e o 791-A, § 4º. Já o artigo 844-, §2º é constitucional. Acompanharam integralmente Alexandre de Moraes, a ministra Cármen Lúcia e o ministro Dias Toffoli. Os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber acompanharam em parte Moraes, porque entendiam pela inconstitucionalidade de todos os dispositivos.
Já o relator, Luís Roberto Barroso, votou pela constitucionalidade dos artigos e defendeu as seguintes teses:
1) O direito à gratuidade de Justiça pode ser regulado de forma a desincentivar a litigância abusiva, inclusive por meio da cobrança de custas e honorários de seus beneficiários;
2) A cobrança de honorários sucumbenciais poderá incidir: a) sobre verbas não alimentares, a exemplo de indenizações por danos morais, em sua integralidade; b) sobre o percentual de até 30% do valor que exceder o teto do regime geral de previdência social, quando pertinentes a verbas remuneratórias; e c) é legítima a cobrança de custas judiciais em razão da ausência do reclamante à audiência, mediante sua prévia intimação pessoal, para que tenha a oportunidade de justificar o não comparecimento.
Acompanharam Barroso os ministros Luiz Fux, Nunes Marques e Gilmar Mendes.
Repercussões
A decisão dividiu os interessados. De um lado, associações empresariais viram a decisão como um perigo para a reforma trabalhista. Do outro, advogados pró-trabalhadores e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) comemoraram a decisão do Supremo.
“Nesta decisão, o STF reconhece a inconstitucionalidade e os equívocos praticados pelo legislador quando da publicação da reforma trabalhista. A Anamatra apontava para a inconstitucionalidade desses e de outros tantos pontos”, analisa o presidente da Anamatra Luiz Antonio Colussi. “Embora no mundo jurídico a gente diga que cada caso é um caso, o pensamento da maioria dos ministros nessa matéria tão importante na justiça do trabalho, pode significar um sinal que outros pontos da reforma poderão ser julgados inconstitucionais”, complementa.
“Este histórico julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal trará um impacto paradigmático para as novas e futuras ações trabalhistas, promovendo uma verdadeira avalanche de novas reclamatórias que estavam até então represadas por força do pagamento dos honorários pelo trabalhador tido por beneficiário da gratuidade judiciária”, avalia Ricardo Calcini, Professor de Direito do Trabalho da FMU e Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno.
Na análise de Rudy Maia, chefe da assessoria jurídica da Confederação Nacional da Agricultura, a posição do Supremo, “significa um retorno à situação de submissão a demandas temerárias, em que o empregador será obrigado a despender tempo e recursos para se defender em ações infundadas, sem qualquer penalização por sucumbência ao reclamante irresponsável (que, ademais, raramente é condenado por litigância de má-fé)”, afirmou. “Observa-se que apesar de o Parlamento ter debatido e destacado a necessidade da jurisdição ser prestada de forma qualitativa – não apenas quantitativa –, o volume de processos, neste atual estágio constitucional, ainda prevalece”, acrescentou.
Para Otavio Torres Calvet, juiz do Trabalho no TRT-RJ, mestre e doutor em Direito pela PUC-SP e diretor da escola associativa da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT), a decisão do Supremo trouxe um recado duplo, de que não pode haver litigância irresponsável, mas também que não se pode “virar o pêndulo completamente para o outro lado”.
“Para o Supremo, não é o simples fato de você ganhar algo na Justiça que já inverte seu estado de miserabilidade. Mas, ao mesmo tempo, o Supremo manteve a condenação de custas por arquivamento da ação quando o trabalhador não justifica a ausência. Isso é uma sinalização positiva porque você move a máquina do Judiciário, gera custo para o erário e você simplesmente não comparece à audiência, sem justificativa, você está demonstrando que você é irresponsável. Então, a fixação das custas neste caso mostra que estamos em um caminho do meio”, afirmou Calvet.
Para Geraldo Korpaliski Filho, sócio da área trabalhista do escritório Souto Correa, a modulação deve ser objeto de embargos de declaração se não vier abordado no voto escrito. “Contudo, como normalmente ocorre nas modulações de efeitos pelo Supremo, o ato jurídico perfeito deve ser privilegiado. Ou seja, aqueles processos em que já ocorreu o pagamento, não será possível reaver os valores”, explica.
Thiago do Val, advogado especialista em direito do trabalho e head de inovação tecnologia e compliance da LIRA Advogados, não acredita que o julgamento de hoje se transforme em uma tendência no STF em relação à reforma trabalhista. “Até mesmo porque a votação foi apertada e uma decisão em outro caso sobre a terceirização teve uma posição favorável às empresas”.
Para ele, o resultado reforça a insegurança jurídica, “pois após uma lei trazer novos pontos importantes, um julgamento contrariando a legislação deixa a incerteza se podemos confiar nos dispositivos legais quando trazem inovação e clareza”.
O STF ainda tem importantes itens da reforma trabalhista a serem julgados, como o trabalho intermitente; se as cláusulas de acordos coletivos podem integrar os contratos individuais de trabalho; teto indenizatório por danos morais e extrapatrimoniais nas ações perante a Justiça do Trabalho; e a prevalência do acordado sobre o legislado.
Fonte: JOTA