Como é sabido, a penhora (bloqueio) de ativos financeiros é uma medida largamente utilizada nos dias de hoje, gerando, por conseguinte, elevados riscos para as empresas de modo geral.
Além disso, cabe registrar que o antigo sistema (Bacen Jud) no ano de 2019 bloqueou aproximadamente R$ 55,8 bilhões de devedores do Fisco Federal¹. Acredita-se que com o novo sistema de penhora bancária (SISBAJUD) os valores a serem bloqueados devem crescer de forma considerável, em razão das próprias funcionalidades da plataforma.
Nesse contexto, mostra-se oportuna a abordagem da denominada escrow account, ou simplesmente conta escrow, e os riscos de bloqueio em face do novo sistema de penhora bancária.
A criação das escrow account foi estabelecida pela alínea “b”, do inciso VII, do art. 38 da IN CVM n.º 356/2001. O dispositivo em questão assevera:
“Art. 38. O custodiante é responsável pelas seguintes atividades:
VII – cobrar e receber, em nome do fundo, pagamentos, resgate de títulos ou qualquer outra renda relativa aos títulos custodiados, depositando os valores recebidos diretamente em:
b) conta especial instituída pelas partes junto a instituições financeiras, sob contrato, destinada a acolher depósitos a serem feitos pelo devedor e ali mantidos em custódia, para liberação após o cumprimento de requisitos especificados e verificados pelo custodiante (escrow account).”
Nesse sentido, observa-se que a escrow account é composta por 3 (três) partes envolvidas, podendo a sua dinâmica ser representada da seguinte forma:
Pois bem, denota-se dessa forma que a conta é de titularidade da cedente, sendo os valores ali depositados de propriedade da mesma. Cabe registrar que o levantamento dos valores pela cedente, depende do cumprimento das regras constantes do contrato de depósito.
Por outro lado, no tocante a possibilidade de penhora dos valores existentes na escrow account, colhe-se da jurisprudência:
“AGRAVO DE PETIÇÃO. CONTA ESCROW. PENHORA. POSSIBILIDADE.
A “conta escrow” é modalidade de conta-caução, geralmente utilizada para transações de risco, em que os créditos relativos ao pagamento da avença ficam sob a custódia de uma instituição financeira neutra até o cumprimento de todas as cláusulas contratuais.
In casu, considerando-se que a “escrow account” é de titularidade da agravante, que houve crédito depositado à sua disposição e que não houve prova quanto à pendência de cumprimento contratual, não há como prevalecer a tese recursal de que o valor penhorado seja pertencente a terceiros, situação esta, inclusive, que, caso acolhida, ensejaria o não conhecimento do apelo, por inadequação da via eleita e ilegitimidade de parte. Agravo de petição desprovido.”
(TRT-6 – AP: 00012229120145060172, Data de Julgamento: 28/01/2021, Quarta Turma, Data de Publicação: 28/01/2021) Vê-se, portanto, que há possibilidade de penhora, através do sistema SISBAJUD dos valores existentes na escrow account. Em alguns precedentes jurisprudenciais observa-se que se há prova de que o numerário pertence a terceiro – factoring, por exemplo – a ordem de bloqueio dos valores pode ser revertida (cancelada).
O colendo TJSP também possui precedentes no sentido de permitir que a penhora contemple valores depositados nas escrow accounts. Colhe-se os seguintes julgados do e. Tribunal:
“APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. Recurso da embargante, empresa HABITASEC Securitizadora S/A, que se volta contra sentença de improcedência. Penhora de valores em ‘Escrow Account’. Conta-garantia. Termo de Securitização de créditos imobiliários. Certificado de recebíveis imobiliários. Negócio celebrado com a GAFISA. Recursos financeiros da conta garantia objeto de penhora. Recursos financeiros de duas contas de uma agência do Banco Santander, em nome da executada Gafisa. Alegação de que esses recursos foram cedidos fiduciariamente à embargante Habitasec, para fazer lastro da emissão de debêntures e, consequentemente, das cédulas de créditos imobiliários que originaram os certificados de recebíveis imobiliários. Não comprovação de que os valores penhorados pertencem a terceiro. Bem penhorado não inserido no rol de impenhorabilidades previsto no artigo 833 do Código de Processo Civil. Precedentes deste Tribunal. Sentença mantida. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.”
(TJSP, Apelação Cível n.º 1046172-13.2019.8.26.0100, Data de Julgamento: 09/09/2020, 3ª Câm. de Dir. Privado, Rel. Des. Viviani Nicolau)
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“AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE – IMPUGNAÇÃO À PENHORA – PENHORA EM CONTA “ESCROW ACCOUNT” POSSIBILIDADE BEM NÃO INSERIDO NO ROL DO ARTIGO 833 DO CPC AUSÊNCIA DE PROVA DE SE TRATAR DE BEM DE TERCEIRO. Ocorre que a conta “escrow account” é, pela natureza jurídica, conta de depósito em garantia, portanto, não alcançada pela impenhorabilidade. ART. 252, DO REGIMENTO INTERNO DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Em consonância com o princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, inc. LXXVIII, da Carta da República, é de rigor a ratificação dos fundamentos da sentença recorrida. Precedentes deste Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça. DECISÃO MANTIDA RECURSO IMPROVIDO.”
(TJSP, Agravo de Instrumento n.º 2027696-79.2020.8.26.0000, Data de Julgamento: 29/04/2020, 38ª Câm. de Dir. Privado, Rel. Des. Eduardo Siqueira)
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“Agravo de Instrumento Cumprimento de sentença Penhora de valores em conta “escrow account” Bem não inserido no rol do artigo 833 do CPC Ausência de prova de se tratar de bem de terceiro Decisão mantida Recurso a que se nega provimento.”
(TJSP, Agravo de Instrumento n.º 2161587-36.2019.8.26.0000, Data de Julgamento: 18/12/2019, 7ª Câm. de Dir. Privado, Rel. Des. Luis Mario Galbetti)
Conclui-se, assim, que há risco dos valores alocados nas escrow accounts serem bloqueados via SISBAJUD para satisfazer o crédito do Fisco ou mesmo de outros credores. Cabe registrar que o produto financeiro em questão (escrow accounts) é uma importante ferramenta na gestão do caixa das empresas, contudo, diante da existência de ações judiciais objetivando a cobrança de valores, merece ser gerenciado de perto, sob pena, de ser esvaziado para pagamento de credores, desregulando, por conseguinte, o fluxo de caixa.
O escritório Gilli, Basile Advogados permanece à disposição dos interessados em maiores esclarecimentos.
Por Fábio Baumgarten e Ademir Gilli Junior
¹ Fonte: https://valor.globo.com/impresso/noticia/2020/06/01/o-novo-sistema-de-penhora-on-line-facilitara-desbloqueio.ghtml, acessado em 16/02/2021 às 17:15.