Uma mudança recente nas regras de inspeção das importações de alimentos de origem animal tem atrasado a entrada no Brasil de itens como pescados, leite em pó, insumos e rações. Os atrasos – que, em alguns casos, chegam a até um mês – já criam problemas de abastecimento e podem encarecer esses produtos, sobretudo peixes, como salmão e merluza, provenientes da Argentina e do Chile.
Há relatos sobre carretas paradas há 30 dias nos portos secos de São Borja e Uruguaiana (RS) e sobre a formação de filas de caminhões, apurou o Valor – os veículos precisam aguardar até que o Vigiagro, órgão de defesa agropecuária ligado ao Ministério da Agricultura, libere a passagem das cargas. Empresários do setor de alimentos creditam os atrasos à velha e crônica falta de fiscais agropecuários e a dificuldades desses servidores de se adaptarem às novas normas, válidas desde agosto.
Até então, a fiscalização ocorria apenas nas fábricas, frigoríficos ou estabelecimentos registrados pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF). No entanto, desde o dia 18 de agosto, a análise dos documentos precisa passar por uma central virtual antes de os produtos entrarem no Brasil. As cargas só podem ingressar no país após reinspeção na zona primária (aduana, portos, portos secos ou aeroportos).
As mudanças estavam previstas em um decreto presidencial de 2017, da gestão Michel Temer. O problema, dizem setores da agroindústria, é que, com a nova regra, o governo estrangulou o fluxo de importação. Atualmente, o país tem 64 armazéns, terminais e recintos aduaneiros habilitados ao trabalho de reinspeção.
Congelados seguem atrasados
Além disso, para seguir viagem, os transportadores têm ainda que aguardar análises de laboratório que, em muitos dos casos, são feitas em outro Estado, o que faz com que a demora nas fronteiras secas chegue a duas semanas, em média. Nos portos, por onde chegam alimentos frescos, o fluxo tem se regularizado, mas produtos congelados seguem com atrasos. Segundo uma fonte a par do assunto, há cerca de mil processos acumulados à espera de despacho – desses, 600 estão em Santos (SP).
“O Vigiagro disse que a ideia era que a liberação dos importados demorasse 48 horas, no máximo, mas a espera já é de mais de 15 dias porque o ministério não tem estrutura para esse trabalho”, disse ao Valor o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Pescado (Abipesca), Eduardo Lobo. “Ultimamente, nenhum transportador de frete terrestre internacional quer carregar mercadoria para o Brasil porque as carretas têm ficado retidas por muitos dias. Isso é prejuízo para quem compra e quem vende”, afirma. “E o consumidor final é quem vai pagar a conta”.
As indústrias se dizem preocupadas com a oferta dos pescados para as festas de fim de ano, que elas já começaram a comprar. Em ofício ao Ministério da Agricultura, ao qual o Valor teve acesso, cinco entidades – ABPA (grandes frigoríficos de carne de frango e suína), Abipesca, Sindirações, Abra (reciclagem animal) e Abinpet (produtos pet) – alertam para o risco de “aumentos de custo”, “pressão inflacionária” e “restrição ao consumo de alimentos”.
Procurado, o Ministério da Agricultura disse que as mudanças foram adotadas para reduzir custos com deslocamentos de servidores e agilizar a entrada dos importados. A Pasta admitiu um “acúmulo de processos, que gerou atrasos de até seis dias” e afirmou que no dia 22 de setembro deflagrou um plano de contingência que prioriza a liberação das cargas de animais vivos e pescados frescos e prevê atenção especial ao modal rodoviário. “Hoje, os processos de animais vivos e pescados frescos estão sendo analisados em menos de 24 horas, os produtos de origem animal comestíveis em menos de 48 horas e os alimentos para animais também em menos de 24 horas (no modal rodoviário)”, disse o ministério em resposta ao VALOR.
Para o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa), as mudanças são bem-vindas, mas faltam servidores para implementá-las. “Afunilou porque diminuíram os locais para reinspeção e também o número de fiscais”, diz Antonio Andrade, diretor de Comunicação da entidade.
Fonte: Valor Econômico.