Não bastasse a Solução de Consulta COSIT 13/2018 que limitou a apropriação dos créditos ao valor do ICMS recolhido – e não do ICMS destacado, como deveria ser –, a Receita Federal do Brasil (RFB) vem usando nova ferramenta no seu “pacote de maldades” para criar obstáculos à compensação tributária.
Temos conhecimento de que vem aumentando casos em que a RFB, por meio de Termo de Distribuição de Procedimento Fiscal (TDPF), tem aplicado verdadeiro congelamento das compensações de créditos decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS pelos contribuintes que tiveram o direito reconhecido por decisões com trânsito em julgado.
Referido TDPF, que tem por objetivo confirmar a certeza e liquidez do crédito e pode ser aberto a qualquer momento a partir do pedido de habilitação dos créditos, implica a imediata suspensão de todas as compensações que poderiam ser efetuadas pelo contribuinte em razão do trânsito em julgado da sua decisão.
Com o advento da Lei 13670/2018 – lei que entrou em vigor em plena Copa do Mundo, quando os olhos estavam voltados para o mundial e que trouxe uma série de restrições ao processo de compensação regulado pela Lei 9430/96, justamente para minimizar o impacto econômico no caixa da União em razão da decisão do RE 574.706 –, passou a existir expressa previsão de que a compensação que for realizada com créditos que estejam sob análise no TDPF será considerada “não declarada”, de modo que o débito que se pretendeu compensar será diretamente inscrito em dívida ativa com risco de multa isolada, sem que seja dado ainda ao contribuinte qualquer possibilidade de discussão administrativa (cf., art. 74, §3º, VII, da Lei 9430/96).
A Lei 13670/2018 que, em um primeiro momento foi atacada em razão de restrições de efeitos mais imediatos (e.g., vedação de compensação das estimativas IRPJ/CSLL), passou desapercebida em relação às demais restrições, as quais só foram notadas no momento do aproveitamento do crédito da exclusão do ICMS da base do PIS/COFINS.
De toda sorte, a nosso ver, tal procedimento é completamente indevido.
Primeiro, o efeito da compensação “não declarada” para os casos em que o crédito decorre de decisão judicial tem previsão em norma específica cf., artigo 74, §12 da Lei 9430/96, sendo aplicável apenas aos casos em que não há trânsito em julgado. Assim, existindo o trânsito em julgado da decisão que confirma o crédito do contribuinte, a compensação deveria ser plena, devendo o contribuinte seguir apenas o rito de habilitação para início da compensação, a qual será posteriormente homologada ou não pela RFB.
Segundo, o congelamento do direito à compensação enquanto o TDPF estiver em análise cria obstáculo ilegal a uma das formas de “execução” da coisa julgada, violando claramente esse princípio constitucional.
Terceiro e não menos importante, implica violação à segurança jurídica, à boa-fé e à legítima expectativa dos contribuintes, já que muitos haviam programado as compensações como forma legítima de planejamento financeiro (e.g., fluxo de caixa, programação de investimentos, criação de postos de trabalho), com base na garantia de que os créditos reconhecidos judicialmente seriam usados para quitação de tributos vincendos.
Quarto, em relação a muitos contribuintes, essa nova norma foi editada posteriormente aos recolhimentos indevidos, à data do ajuizamento da ação ou mesmo à formação da coisa julgada. Nesse sentido, inclusive em casos relativos à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, o STJ vem entendendo que a compensação deve ser regida pela lei vigente à época da propositura da ação, justamente para evitar a indevida retroação de novas normas que, como esta, restringem a coisa julgada.
Quinto, não há sequer motivo para abertura desse procedimento prévio. Isso porque sempre foi feita a fiscalização sobre a liquidez e a certeza de créditos, de forma até rigorosa pela RFB, justamente no prazo que ela dispõe para homologar as respectivas compensações. Tal procedimento que, ao contrário do TDPF ora discutido, é absolutamente republicano, garante que, de um lado, seja efetivado o princípio da indisponibilidade dos bens públicos e, de outro lado, seja efetivada a ampla defesa dos contribuintes que, diante de um despacho decisório negativo, podem levar a discussão até o CARF.
Por fim, ainda que superadas essas ponderações, alerta-se que não há regulamentação específica para esse TDPF. Não há prazo para sua conclusão. Não há norma que interrompa o prazo prescricional para compensação –o contribuinte tem cinco anos contados do trânsito em julgado para tanto e, dependendo do tamanho do ativo, qualquer atraso poderá implicar a impossibilidade de o contribuinte consumir tais créditos em tempo hábil – e, principalmente, não há mecanismos de contraditório e ampla defesa, de modo que, “numa canetada”, o Agente Fiscal poderá impedir de forma definitiva que o contribuinte “execute” a coisa julgada por meio da compensação.
A atitude da RFB retira do contribuinte direitos básicos, impede a recuperação de tributos que foram pagos indevidamente por anos e relativiza a força da coisa julgada. Tal situação levará, sem sombra de dúvidas, mais uma enxurrada de processos ao Poder Judiciário que será chamado para dizer o óbvio: não se pode restringir o direito à compensação do contribuinte, cabendo à RFB, se assim desejar, analisar cada um desses pedidos, oferecendo o devido processo legal.
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Fonte: JOTA