O Supremo Tribunal Federal (STF) já tem a maioria dos votos necessários para permitir a reversão de decisões judiciais definitivas — que antes favoreciam os contribuintes — quando houver mudança de jurisprudência na Corte. Esse tema é considerado por advogados como um dos mais importantes em tramitação no Judiciário.
Trata-se de discussão extremamente ampla. A decisão, quando proferida, para se ter ideia, terá impacto sobre todos os processos que discutem pagamento de tributos.
Vai afetar, inclusive, casos passados, em que já houve a mudança de jurisprudência. Advogados mapearam, pelo menos, quatro teses grandes — com muito dinheiro envolvido — que estão nessa condição e podem trazer, de imediato, problemas para os contribuintes.
São elas: a cobrança de CSLL, IPI na revenda de mercadorias importadas, contribuição patronal sobre o terço de férias e a exigência de Cofins para as sociedades uniprofissionais. A Receita Federal terá passe livre para cobrar aqueles que estão amparados por decisões judiciais e, hoje, não recolhem esses tributos.
É que pela decisão que está se desenhando, o contribuinte que discutiu a cobrança na Justiça e teve a ação encerrada (sem mais possibilidade de recurso) a seu favor — autorizando a deixar de pagar — perderá esse direito se, tempos depois, a Corte julgar o tema, com repercussão geral ou por meio de ação direta de constitucionalidade, e decidir que a cobrança é devida.
Essa sistemática muda o formato que se tem atualmente. O Fisco, hoje, pode pleitear a reversão de decisões, mas existe um instrumento específico para isso, a chamada ação rescisória, que tem prazo de até dois anos para ser utilizado. Não há garantia, além disso, de que terá o pedido atendido na Justiça.
O novo entendimento abre caminho, portanto, para que o Fisco retome as cobranças de forma automática — sem precisar passar por todo o trâmite da rescisória. Sete dos onze ministros que integram a Corte proferiram votos nesse sentido.
Esse julgamento ocorre no Plenário Virtual e tem conclusão prevista para sexta-feira. Há possibilidade até lá, no entanto, de um dos ministros apresentar pedido de vista ou de destaque, o que suspenderia as discussões e, consequentemente, adiaria o desfecho.
Uma segunda parte desse tema, também importante, ainda precisa ser definida. Os sete dos onze ministros da Corte que se posicionaram até agora têm entendimentos divergentes em relação ao momento exato em que haveria a “quebra” da decisão.
Os relatores dos dois casos em análise, ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, entendem que a perda de direito do contribuinte não seria imediata.
Eles consideram que a decisão do STF, validando a cobrança, se assemelha à criação de um novo tributo e, a depender do tributo que estiver em análise, têm de ser respeitados os princípios da anterioridade: a noventena (90 dias após a decisão) e a anual (ano seguinte à decisão).
Os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Rosa Weber acompanham os relatores.
Já o ministro Gilmar Mendes acompanha os colegas em relação à irretroatividade. Entende que o Fisco não poderia cobrar valores referentes ao passado — período anterior à mudança da jurisprudência. Mas ele discorda do cumprimento da anterioridade. As cobranças poderiam ocorrer já a partir das novas decisões da Corte.
Há um terceiro ponto, além disso, que preocupa advogados. Os relatores dos dois casos, Barroso e Fachin, fizeram ajustes nos seus votos na sexta-feira passada. Excluíram o trecho sobre a “modulação de efeitos”.
Advogados dizem que essa parte é importante porque atinge todos os casos em que houve mudança de jurisprudência até aqui. Antes, os ministros haviam estipulado como marco para a reversão das decisões o julgamento que está em análise agora na Corte. Valeria, portanto, daqui para frente.
Agora, com os ajustes nos votos — e a exclusão do trecho sobre modulação —, os advogados interpretam que para casos em que já houve mudança de jurisprudência vale a data do julgamento de alteração do tema.
Os casos que estão em discussão, por exemplo, envolvem cobranças de CSLL. Da forma anterior, com a modulação de efeitos, a Receita Federal poderia exigir o tributo somente daqui para frente. Sem a modulação, no entanto, as cobranças são possíveis desde o ano de 2007, a data em que o STF decidiu pela constitucionalidade do tributo.
O IPI na revenda de mercadorias importadas, outra tese importante que será afetada por esse julgamento, foi reconhecido pelos ministros em 2020. Nesse mesmo ano, também foi declarada a constitucionalidade da cobrança de contribuição previdenciária patronal sobre o terço de férias.
Sem a modulação, a Receita Federal teria passe livre para, nesses dois casos, exigir os pagamentos desde lá e não somente a partir de agora — dois anos depois.
Além dos relatores, o ministro Dias Toffoli também ajustou o seu voto. Antes, dizia que acompanhava Fachin “quanto ao provimento do recurso e quanto à proposta de modulação de efeitos da decisão”. Agora, consta “acompanho quanto ao provimento do recurso” e, em relação à tese de repercussão geral, “acompanho o ministro Barroso”.
Advogados de contribuintes veem essas mudanças com preocupação. “Causa enorme complexidade e insegurança”, diz Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon.
A advogada Priscila Faricelli, do escritório Demarest, complementa que a validade das decisões definitivas na Justiça (a “coisa julgada” no jargão jurídico) era inconteste até aqui e esse julgamento, portanto, representa tamanha ruptura.
“Importantíssimo que sejam confirmadas as garantias de irretroatividade e anterioridade e que haja modulação de efeitos para casos anteriores a essa decisão”, ela frisa.
Advogados alertam, além disso, que esse julgamento (RE 949297 e RE 955227) — apesar de tratar de matéria tributária — pode ter impacto também para processos de outras áreas.
“O que o STF está chancelando é a quebra automática de uma decisão judicial definitiva. Qualquer pessoa, seja física ou jurídica, quando obtiver provimento judicial amparado em determinado argumento, estará sujeita a entendimento posterior do STF. É uma situação de total insegurança jurídica”, diz a especialista Maria Carolina Sampaio, sócia do GVM Advogados.
Além desse caso, há um outro também em julgamento no Plenário Virtual do STF — com previsão de se encerrar na sexta-feira — de alto impacto. Trata sobre a sistemática de créditos do PIS e da Cofins. Estão em jogo R$ 472,7 bilhões (RE 841979).
Fonte: Valor Econômico