A Lei nº 14.043, de 19 agosto deste ano, instituiu o chamado “Programa Emergencial de Suporte a Empregos”, criando linhas de financiamento diferenciadas e vantajosas para pessoas jurídicas que tiveram em 2019 receita bruta anual superior a R$ 360 mil e inferior a R$ 50 milhões, com a finalidade de viabilizar o pagamento da folha salarial e das verbas trabalhistas devidas por estes empregadores.
Trata-se da conversão em lei da Medida Provisória nº 944, uma das diversas medidas legislativas que têm por objetivo criar condições para o reestabelecimento da economia e a manutenção de empregos, sabidamente afetados pela pandemia da Covid-19.
Além da criação de linhas de crédito especiais para as empresas, já nas disposições finais — a que poucos dão muita atenção, já que localizadas na parte final do longo texto —, a Lei nº 14.043, em seu artigo 18, incluiu o artigo 9º-A na Lei nº 9.430/1996.
A rigor, a Lei nº 9.430/1996 não tem relação com o coronavírus. Se lido de forma isolada, o artigo 9º-A é quase incompreensível, passando facilmente despercebido:
“Artigo 9º-A — Na hipótese de inadimplência do débito, as exigências de judicialização de que tratam a alínea ‘c’ do inciso II e a alínea ‘b’ do inciso III do § 7º do artigo 9º e o artigo 11 desta lei poderão ser substituídas pelo instrumento de que trata a Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, e os credores deverão arcar, nesse caso, com o pagamento antecipado de taxas, de emolumentos, de acréscimos legais e de demais despesas por ocasião da protocolização e dos demais atos”.
A interpretação do dispositivo no contexto adequado, entretanto, revela se tratar de nova e interessantíssima regra para os contribuintes submetidos à sistemática de apuração de tributos pelo lucro real.
Para as pessoas jurídicas que apuram os tributos sob a sistemática do lucro real, a inadimplência suportada no exercício da atividade pode ser deduzida como despesa. Tais perdas no recebimento de créditos podem ser reconhecidos em conta redutora contábil, reduzindo o lucro tributável e, portanto, a base de cálculo dos tributos.
No entanto, a depender do valor do crédito inadimplido, o artigo 9º, §7º, da Lei nº 9.430/96 exige que o contribuinte proponha ação judicial de cobrança contra o devedor para que a inadimplência possa ser reconhecida como perda. Somente depois de alguns anos, se a inadimplência persistir, a lei autoriza que o contribuinte considere o crédito de liquidação duvidosa como despesa dedutível na apuração do lucro real [1].
Por exemplo: o contribuinte submetido ao lucro real que possui crédito (sem garantia) inadimplido no valor de R$ 150 mil, nos termos da Lei nº 9.430/96, artigo 9º, §7º, inciso II, alínea “c”‘, somente poderá reconhecer tal montante como perda e deduzi-lo como despesa na apuração do seu lucro real se o crédito estiver vencido há mais de um ano e se iniciar e manter os procedimentos judiciais para o seu recebimento.
Nesse contexto, o recém-incluído artigo 9º-A dispensou a exigência de ação judicial de cobrança do crédito para que o contribuinte submetido ao lucro real possa considerá-lo como despesa na apuração do lucro tributável. É suficiente, desde agosto de 2020, o protesto do débito em cartório extrajudicial.
A imposição legal de judicializar a cobrança do crédito para que o contribuinte pudesse reconhecê-lo como perda, após período razoável de inadimplência, gerava injustificável aumento do número de processos judiciais num já assoberbado Poder Judiciário [2].
Demais disso, absolutamente desarrazoado impor àquele que já suporta a inadimplência a arcar com altas custas processuais e honorários advocatícios para exercer o legítimo direito de não tributar a receita sobre a qual não teve disponibilidade econômica ou jurídica.
A Lei nº 14.043/2020, no “apagar das luzes” das disposições finais, afora o Programa Emergencial de Suporte a Empregos, trouxe uma importante inovação legislativa. De uma só vez, simplifica a burocracia envolvida no reconhecimento e na dedução das perdas de inadimplência para a apuração do lucro real dos contribuintes e reduz a quantidade de demandas judiciais desnecessárias. Bom para o contribuinte, melhor para o Judiciário.
[1] “Artigo 9º As perdas no recebimento de créditos decorrentes das atividades da pessoa jurídica poderão ser deduzidas como despesas, para determinação do lucro real, observado o disposto neste artigo.
§ 7o Para os contratos inadimplidos a partir da data de publicação da Medida Provisória no 656, de 7 de outubro de 2014, poderão ser registrados como perda os créditos:
I. em relação aos quais tenha havido a declaração de insolvência do devedor, em sentença emanada do Poder Judiciário
II. sem garantia, de valor:
a) até R$ 15 mil reais), por operação, vencidos há mais de seis meses, independentemente de iniciados os procedimentos judiciais para o seu recebimento;
b) acima de R$ 15 mil reais) até R$ 100 mil reais), por operação, vencidos há mais de um ano, independentemente de iniciados os procedimentos judiciais para o seu recebimento, mantida a cobrança administrativa;
c) superior a R$ 100 reais), vencidos há mais de um ano, desde que iniciados e mantidos os procedimentos judiciais para o seu recebimento
III. com garantia, vencidos há mais de dois anos, de valor:
a) até R$ 50 mil reais), independentemente de iniciados os procedimentos judiciais para o seu recebimento ou o arresto das garantias; e
b) superior a R$ 50 mil reais), desde que iniciados e mantidos os procedimentos judiciais para o seu recebimento ou o arresto das garantias; e
IV. contra devedor declarado falido ou pessoa jurídica em concordata ou recuperação judicial, relativamente à parcela que exceder o valor que esta tenha se comprometido a pagar, observado o disposto no § 5o.”
[2] Conforme dados do Relatório Justiça em Números 2020, do Conselho Nacional de Justiça, até o final de dezembro de 2019, havia um total de 77,1 milhões de processos em tramitação. Acesso em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB_V2_SUMARIO_EXECUTIVO_CNJ_JN2020.pdf
Fonte: ConJur