A pandemia de Covid-19 causou grande impacto na atividade econômica, nas relações contratuais e de emprego. Isto, principalmente, em razão das medidas restritivas e de isolamento social que vêm sendo impostas por governos estaduais e municipais a fim de evitar maior propagação do vírus, dentre elas a proibição de funcionamento de empresas, shoppings centers, restaurantes e demais estabelecimentos não essenciais, além de alguns setores de prestação de serviços.
Resulta disto a inevitável queda no faturamento destas empresas, a extinção de postos de trabalhos e até o encerramento das atividades do próprio empreendimento. Consequentemente, muitas pessoas e empresas, devido aos reflexos da pandemia, não conseguirão honrar as obrigações contratuais assumidas anteriormente, ocasião em jamais se imaginaria a ocorrência desta crise mundial, gerada pela pandemia do novo coronavírus.
Surge então no meio jurídico o seguinte questionamento: “poderia o novo coronavírus ser elencado caso fortuito ou de força maior?”
Caso fortuito e força maior, muitas vezes tratados como sinônimos, decorrem de fatos alheios à vontade das partes, imprevisíveis e inevitáveis, o primeiro decorrente de atos humanos – como greves e manifestações públicas que fecham ruas e impedem o tráfego –, e o segundo ocasionado por fenômenos naturais – tais como raios, enchentes etc. Apesar de aparentar ser simples, a distinção nem sempre é fácil.
Ambas as situações, guardado o devido nexo causal, causam um desequilíbrio na relação contratual e tornam muito difícil ou mesmo impossibilitam o cumprimento de obrigação anteriormente assumida. A alegação de caso fortuito ou força maior, neste caso, pode constituir excludente de responsabilidade, com base no artigo 393 do Código Civil.
O mencionado dispositivo prevê que: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”.
Dada a excepcionalidade da atual situação econômica causada pelos efeitos do COVID-19, podem caracterizar como caso fortuito ou de força maior, justamente porque se trata de situação absolutamente alheia à vontade das partes, imprevisível e inevitável.
Além das hipóteses de caso fortuito e força maior, é possível a aplicação da teoria da imprevisão, prevista no artigo 421-A do Código Civil, uma vez que se está diante de situação que justifica o afastamento da presunção de paridade e simetria entre as partes da relação contratual.
No entanto, tudo isto não é aplicável de forma indiscriminada.
Justamente em razão do nexo causal, é necessário que a parte que não puder cumprir a obrigação assumida sob a justificativa de caso fortuito ou de força maior ou intuir aplicar a teoria da imprevisão, em razão do novo coronavírus, tenha efetivamente sofrido com os efeitos da pandemia e, acima de tudo, consiga comprovar os danos sofridos que justificaram o inadimplemento.
Não pode uma empresa que não sofreu impactos diretos em sua atividade tentar obter proveitos com a alegação de estado de calamidade.
Para aplicação destes institutos é necessário ter cautela uma vez que a revisão e intervenção dos contratos deve ser excepcional, conforme previsto no artigo 421, parágrafo único do Código Civil com redação dada pela Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.847/19): “Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.”
Destaca-se que, o caso fortuito, a força maior e a teoria da imprevisão não devem ser evocados por aqueles que já estavam inadimplentes, ou prestes a inadimplir antes da ocorrência do evento causador do estado de calamidade, prevalecendo sempre o princípio da boa-fé.
Também não pode um devedor, valendo-se destas situações, contribuir para sua inexecução, ou seja, não se pode, de forma intencional tomar medidas que concorram para aumentar as consequências do inadimplemento.
Muito pelo contrário, deve o devedor, pelo princípio da boa-fé objetiva, que norteia as relações contratuais, usar tudo que há ao seu alcance para evitar a inexecução e não se valer de má-fé neste momento delicado para eximir-se do cumprimento de suas obrigações.
Se não houver qualquer previsão contratual para o afastamento das penalidades em casos fortuitos ou de força maior, a cobrança pode permanecer. Cabendo à parte contrária, caso não concorde, procurar medidas judiciais para lhe amparar. A discussão judicial, desde que haja provas suficientes, possibilitará o afastamento da punição pelo inadimplemento.
Por estas razões, entende-se que a melhor opção é analisar cuidadosamente cada caso concreto dentro de suas particularidades, buscando a renegociação de condições de prazo e pagamento quando possível.
A equipe do escritório GILLI, BASILE ADVOGADOS permanece à disposição dos seus clientes e parceiros interessados em mais esclarecimentos.
Por Ademir Gilli Júnior e Eduarda Hoeppers de Souza