No #ComexLaw 14 abordamos o Procedimento Especial de Controle Aduaneiro em linhas gerais. Neste artigo trataremos acerca da defesa do importador no trâmite do Procedimento Especial de Controle Aduaneiro – PECA, regulamentado pela Instrução Normativa RFB nº 1.169/2011.
Necessidade de instauração
O PECA é aplicável a toda operação de comércio exterior – importação ou exportação – em que haja suspeita do cometimento de infração punível com a pena de perdimento. Na importação, o Procedimento é instaurado, via de regra nas cargas parametrizadas para o canal cinza de conferência aduaneira. No entanto, não há impedimento para que o procedimento seja iniciado em relação à cargas parametrizadas para outros canais de conferência. Nos canais amarelo ou vermelho, após a conferência documental ou física, se a Fiscalização apurar indícios de infração punível com o perdimento, o PECA deve ser instaurado.
Note-se que a norma prevê que o Procedimento Especial deve ser instaurado em todas as operações em que haja suspeita de infração punível com o perdimento. Ou seja, não se trata de mera faculdade da fiscalização aduaneira, mas de obrigação.
A previsão de um procedimento específico para estes casos é justamente para privilegiar os direitos de ampla defesa do importador e/ou do adquirente. Apesar do PECA não ser das melhores notícias que o importador pode receber, é fundamental que ele seja devidamente instaurado, justamente para que o importador possa apresentar documentos e as justificativas das situações tidas como suspeitas de infração pela Fiscalização, de modo a demonstrar a correção das operações e a inocorrência de infração. Quer dizer, o procedimento existe e é regulamentado de modo a proporcionar segurança jurídica ao importador, evitando arbítrios por parte da Fiscalização Aduaneira.
Dito isto, verifica-se que há irregularidade nas situações em que a pena de perdimento é aplicada sem a devida instauração do Procedimento Especial de Controle Aduaneiro, o que pode ser objeto de contestação em impugnação administrativa ao auto de infração e mesmo na via judicial anulatória.
Garantia para liberação das mercadorias
O PECA deve ser instaurado com a indicação dos motivos de sua instauração, dentre aqueles elencados no artigo 2º da IN RFB nº 1.169/2011, ainda que ao final o procedimento conclua pela ocorrência de infração por motivo distinto daquele que levou à instauração. O Termo de Início do Procedimento deve indicar também quais as mercadorias alcançadas pela fiscalização, que em geral permanecem retidas no curso da investigação. No caso das infrações suspeitas serem as previstas no artigo IV e V do artigo 2º – ocultação dos reais interessados ou existência de fato dos estabelecimentos ou das pessoas envolvidas na operação – as mercadorias podem ser liberadas mediante a prestação de caução, no valor integral.
Nestes casos, tal faculdade deve ser proporcionada, inclusive, de ofício pela Fiscalização Aduaneira. Caso não ocorra, o importador ou adquirente pode formular requerimento administrativo com esta finalidade. Apesar da norma limitar a possibilidade de liberação mediante caução aos casos específicos de ocultação e (in)existência de fato, em realidade é possível pleitear a liberação também para as demais hipóteses de infração, exceto os casos de importação proibida. Isto porque, os casos elencados no artigo 5º-A tratam das infrações consideradas mais graves, de modo que para os demais, considerados mais brandos, também é possível prestar garantia para liberação. A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região valida tal possibilidade:
TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDIMENTO ESPECIAL DE CONTROLE ADUANEIRO. IN/RFB Nº 1.169/2011. LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS MEDIANTE CAUÇÃO. SUBFATURAMENTO ISOLADO. POSSIBILIDADE. 1. O art. 5º-A da IN nº 1.169/2011, introduzido pela IN nº 1.678/2016, passou a prever, expressamente, a possibilidade de liberação, mediante a prestação de caução, das mercadorias retidas em Procedimento Especial de Controle Aduaneiro. Não mais se observa, portanto, lacuna a permitir a aplicação analógica do regramento da IN nº 228/2002 quanto à matéria. 2. O dispositivo autoriza a liberação mediante caução tão somente das mercadorias retidas nas hipóteses das infrações dos incisos IV e V do art. 2º (interposição fraudulenta e inexistência de fato do importador, exportador ou qualquer outra pessoa envolvida na transação), não contemplando a infração do inciso I do art. 2º (falsidade material ou ideológica de qualquer documento comprobatório apresentado na importação ou exportação). 3. Todavia, a mera falsidade ideológica da fatura comercial, resultando no subfaturamento da operação de importação, permite a liberação da mercadoria uma vez que, conforme jurisprudência pacífica desta Corte, o “subfaturamento isolado” não dá ensejo à aplicação da pena de perdimento e, portanto, não autoriza a instauração do procedimento previsto pela IN nº 1.169/2011. 4. No caso em análise, não tendo sido sequer ventilada a hipótese de subfaturamento qualificado mediante fraude, recaindo a investigação sobre suspeita de faturamento isolado da operação de importação, não há óbice à liberação das mercadorias mediante caução. (TRF4 5005667-08.2016.4.04.7101, PRIMEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 13/12/2017)
Assim, no caso do direito à prestação de garantia ser indevidamente negado por parte da Fiscalização Aduaneira, é possível pleitear judicialmente que o direito seja garantido.
Resposta ao PECA
O Procedimento Especial de Controle Aduaneiro, em certo aspecto é procedimento “inquisitorial”. Apesar de conferir segurança jurídica para o importador, a participação deste é tida por facultativa, haja vista que a intimação do importador e/ou do adquirente é providência facultativa para a Fiscalização Aduaneira, conforme disposição do artigo 6º, IV, da IN RFB nº 1.169/2011. No entanto, tal providência é quase sempre efetivada, de modo que os interessados possuem a oportunidade de apresentar documentos e resposta fundamentada, a fim de descaracterizar os indícios levantados pela Fiscalização. É recomendado buscar auxílio profissional para a confecção desta resposta, uma vez que sendo realizada da maneira adequada, possui grandes chances de levar à conclusão do procedimento à inocorrência de infração e assim afastar a decretação da pena de perdimento.
Apesar de não ser uma defesa propriamente dita – haja vista que o contraditório é instaurado após a decretação do perdimento com a lavratura de auto de infração -, a Resposta ao PECA é recomendável tanto para evitar aplicação de multa (pela não prestação de informações solicitadas pela Fiscalização) quanto para fornecer subsídios para posterior impugnação ao auto de infração e também para eventuais desdobramentos criminais decorrentes do procedimento fiscalizatório.
Outro ponto relevante é que a Fiscalização Aduaneira precisa respeitar os prazos concedidos ao importador para apresentação de sua resposta e analisar os requerimentos por este apresentados. Quer dizer, mesmo que a intimação do importador seja facultativa, uma vez realizada, deve respeitar o prazo de resposta conferido, que é normalmente de 20 (vinte) ou 30 (trinta) dias. A não observância dos prazos de resposta ou análise de requerimentos do importador ou interessado caracteriza nulidade por violação ao direito de defesa, o que pode ser contestado judicialmente.
Em recente decisão acerca de ação patrocinada pelo escritório Gilli Basile Advogados, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região deu provimento a recurso para restabelecer prazo de resposta no PECA e garantir o direito de prestação de garantia para liberação das mercadorias, com a seguinte decisão:
Com efeito, consta nas informações da autoridade aduaneira que, consoante o alegado pela agravante, a lavratura do auto de infração ocorreu antes de findo o prazo assinalado ao importador para prestar esclarecimentos e apresentar documentos no PECA. […] Ou seja, a fiscalização reconhece que encerrou o procedimento especial de fiscalização aduaneira, com a lavratura do auto de infração, antes mesmo de finalizado o prazo que concedera à empresa para prestar esclarecimentos na esfera administrativa. […] Com efeito, no Evento 1 PROCADM12 do MS originário, é possível constatar que o auto de infração foi lavrado em 04/06/2020 (pág. 2) – sendo que o PECA havia sido instaurado em 19/05/2020 (pág. 4), com intimação à fiscalizada para apresentar documentos dentro do prazo de 20 dias, ou seja, até, no mínimo, 08/06/2020 (pág.6). Em 02/06/2020, ainda, a agravante protocolara requerimento de liberação dos bens importados, mediante pagamento de garantia, o qual sequer foi analisado, embora apresentado em tempo hábil, antes da conclusão do PECA. Logo, a Administração deixou de se manifestar sobre o pedido tempestivo de liberação da mercadoria, encerrando o procedimento administrativo e lavrando, de imediato, o auto de infração nº (omissis) – violado o processo legal naquela via.
Prosseguindo no mérito do presente agravo, o art. 5º-A, da Instrução Normativa RFB nº 1.169/2011, acrescentado pela IN 1.678/16, autoriza o desembaraço de mercadoria sujeita à pena de perdimento, mediante caução, diante das irregularidades previstas nos incisos IV e V do art. 2º, desde que o pedido seja protocolado anteriormente à conclusão do PECA. […] A infração do inciso IV do art. 2º da IN 1.169/11 – ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiro – permite a entrega da mercadoria mediante a prestação de garantia. […] O ato administrativo, assim, além de violar o prazo concedido à impetrante para apresentar documentos aptos à sua defesa, também retirou-lhe o direito à liberação da mercadoria mediante prestação de garantia, revelando-se abusivo, portanto sujeito à correção pela medida judicial adequada. Como visto, possui razão a agravante no ponto. Ante o exposto, defiro o pedido. (Agravo de Instrumento nº 5026373-33.2020.4.04.0000).
Impugnação ao Auto de Infração
No caso de a conclusão do PECA levar à lavratura de autos de infração e aplicação da pena de perdimento, ainda há possibilidade de defesa na via administrativa. Isto porque a lavratura de auto de infração constitui a peça inicial do processo administrativo que, diferentemente do PECA, deve garantir obrigatoriamente a possibilidade de defesa. Nesta etapa, o autuado – importador, adquirente ou interessado – pode abordar toda a matéria de defesa, juntar documentos, requerer a produção de provas e também impugnar nulidades apuradas durante o trâmite do PECA.
Se as mercadorias tiverem sido liberadas mediante garantia, caso em que a penalidade é a multa substitutiva da pena de perdimento, o prazo de defesa será de 30 (trinta) dias e o rito do processo administrativo será aquele previsto no Decreto nº 70.235/72, com julgamento da impugnação pela DRJ e posterior possibilidade de recurso ao CARF.
Se as mercadorias ainda estiverem retidas e a penalidade aplicada seja o perdimento das mercadorias propriamente dito, o rito previsto na legislação é diferenciado, o prazo de recurso é de apenas 20 (vinte) dias e o julgamento ocorre em instância única, geralmente perante a mesma unidade da Receita Federal que conduziu o PECA, sem possibilidade de recurso. No entanto, com a recente internalização da Convenção de Quioto, acordo internacional cujo Brasil é signatário e que dispõe acerca da obrigatoriedade de possibilitar recurso para os casos de perdimento, a legislação deve ser alterada em breve. Nesse ínterim, é possível pleitear a garantia de recurso administrativo com a aplicação do rito do Decreto nº 70.235/72 por meio de ação judicial.
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Por Jaqueline Weiss