A 1ª Turma da Câmara Superior, a mais alta instância do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), cancelou uma autuação de R$ 1,25 bilhão que havia sido aplicada pela Receita Federal contra a ArcelorMittal Brasil. As cobranças envolviam amortização de ágio – decorrente da fusão entre as siderúrgicas – e tributação do lucro de controladas no exterior.
Tratam-se de dois temas importantes para os contribuintes e que vêm sendo acompanhados de perto pelo mercado. Especialmente quando julgados na Câmara Superior, cujas decisões podem servir como precedente para os demais casos em discussão.
Antes desse processo envolvendo a ArcelorMittal, a 1ª Turma já havia anulado outras duas autuações referentes à tributação de lucro de controladas no exterior. Uma delas contra a Ambev, no valor de R$ 1,5 bilhão.
Em relação à amortização de ágio em operação envolvendo o uso de empresa veículo – como no processo da ArcelorMittal – a análise, segundo especialistas, depende muito das peculiaridades de cada caso. A 1ª Turma da Câmara Superior decidiu a favor de contribuintes em pelo menos três casos julgados nos meses de agosto e setembro.
O processo envolvendo a ArcelorMittal teve placar de seis a quatro. Os cinco conselheiros que representam os contribuintes na turma votaram pelo cancelamento da autuação. O sexto voto nesse mesmo sentido – único entre os conselheiros fazendários – foi proferido por Carlos Henrique de Oliveira, o presidente do Carf.
Ágio é um valor pago pela rentabilidade futura da companhia adquirida ou incorporada. Pode ser registrado como despesa nos balanços e reduzir o valor a recolher de Imposto de Renda e CSLL.
A operação é permitida por lei, mas a Receita Federal costuma autuar contribuintes quando interpreta que o único objetivo foi reduzir carga tributária. Nesses casos, a operação é desconsiderada e os tributos cobrados, com juros e multa.
Aconteceu dessa forma com a ArcelorMittal. Segundo a fiscalização, a empresa teria realizado exclusões indevidas da base de cálculo dos tributos entre 2008 e 2010.
Toda essa história tem origem na fusão das duas empresas no exterior. A Mittal Steel, da Holanda, fez uma oferta pública para adquirir as ações da Arcelor, em Luxemburgo, no ano de 2006. Depois de idas e vindas, a oferta foi aceita pelos acionistas da Arcelor. Ficou definido, em contrato, que haveria uma reorganização societária: a Mittal Steel Company N.V. deixaria de existir e a Arcelor passaria a se chamar ArcelorMittal
Paralelamente, no Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ao saber da mudança de controle, determinou que a Mittal oferecesse aos acionistas da Arcelor Brasil a mesma oferta pública para aquisição de ações que havia feito aos acionistas em Luxemburgo.
Para cumprir a determinação da CVM, o grupo Mittal criou a Mittal Steel Brasil Participações. Foi essa empresa – considerada veículo – que fez a aquisição da Arcelor Brasil. A Mittal Brasil foi incorporada após a operação.
“Temos aqui [na operação] uma compra que não foi planejada. O grupo Mittal não planejava comprar as ações [da Arcelor]. Foi determinado pela CVM de forma unilateral”, afirmou o advogado da empresa, Celso Costa, sócio do escritório Machado Meyer, em sustentação oral quando o julgamento teve início, no mês de agosto.
Nessa mesma ocasião, o procurador da Fazenda Nacional Rodrigo Moreira disse aos conselheiros que a Mittal Steel Company N.V. fez todo o negócio com o grupo Arcelor para adquirir a Arcelor no Brasil sem constituir empresa veículo. No país, a Arcelor controlava as siderúrgicas CST, Belgo-Mineira e Vega do Sul.
“A empresa veículo só aparece formalmente nos atos de adquirir as ações que geraram o ágio”, sustentou, acrescentando que, nesse formato, pode ter havido ágio no exterior, o que possibilitaria amortização aqui e lá.
Prevaleceu na Câmara Superior, porém, o entendimento da conselheira Lívia de Carli Germano, representante dos contribuintes. Ela abriu divergência ao voto do relator, o conselheiro André Mendes de Moura, representante da Fazenda, que havia dado razão ao Fisco.
A conselheira considera que precisa existir uma justificativa para o uso de empresa veículo e, nesse caso, a estrutura tinha respaldo na determinação da CVM. Por isso, para ela, o ágio gerado na operação poderia ser amortizado do pagamento de tributos, conforme permite a lei.
Esse trecho do processo – sobre aproveitamento de ágio – foi concluído pelos conselheiros na segunda vez em que o caso esteve em pauta, no mês passado. Ontem eles debateram só a tributação do lucro de controladas no exterior. A autuação envolvia empresas na Argentina e na Holanda, países com tratados internacionais contra a bitributação.
Para a fiscalização, contudo, não se estaria tributando o lucro da empresa controlada no exterior, mas o lucro auferido e computado na empresa brasileira. Assim, não se poderia usar os tratados contra a bitributação.
Neste outro trecho do processo, a divergência, mais uma vez, foi instaurada pela conselheira Lívia de Carli Germano. Ela entendeu que os tratados contra a bitributação têm validade e devem ser aplicados ao caso. O voto de Lívia foi acompanhado por outros cinco julgadores da turma, como ocorreu na discussão sobre a amortização de ágio.
O presidente do Carf, Carlos Henrique de Oliveira, também nessa discussão, se alinhou à divergência – o único entre os conselheiros fazendários. “Por que o Brasil se digna e a Receita Federal gasta meses para assinar um tratado se ele não tem vigência? Em que pese o raciocínio brilhante dos senhores, eu não consigo entender”, disse ele, fechando o placar (processo nº 10600.720035/2013-86).
Fonte: VALOR