Paulo Covielo Filho
Artigo – Federal – 2018/3618
No dia 5.2.2018, por meio do acórdão n. 2201-004.072, a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção do CARF, em votação decidida por unanimidade, deu provimento a recurso voluntário de contribuinte, para cancelar autuação que exigia contribuição devida pelos empregados, que deve ser descontada pela empresa, incidente sobre pagamentos realizados a título de participação nos lucros e resultados (PLR) e prêmio aos empregados.
Inicialmente, cumpre ressaltar que, no que diz respeito ao PLR, a decisão foi favorável ao contribuinte por ter reconhecido que os fatos geradores em questão estavam atingidos pela decadência. Esse aspecto da decisão não será objeto de análise no presente momento, eis que o objetivo do presente comentário é destacar o tratamento conferido ao prêmio pago aos empregados.
Pois bem. Conforme informações contidas na decisão, o prêmio em questão foi pago pela empresa em razão de ideias propostas pelos empregados, no âmbito de um programa denominado “Campo de Idéias (SIC)”.
A fiscalização afirmou que o programa de premiação definia ideia “como qualquer mudança que traga benefícios à organização e seja implementável, incluindo o reaproveitamento de ideias entre processos ou de outras empresas. A recompensa por parte da empresa aos empregados, estagiários e empregados de contratadas é reconhecida expressa em espécie monetária através de valores pré-estabelecidos”. Afirmou, ainda, que a premiação é presente de forma constante e inclusive se repetiria para os mesmos beneficiários em períodos sequenciais, o que evidenciaria a natureza remuneratória da verba.
Por sua vez, a empresa alegou que “os valores pagos a título de prêmio Idéias (SIC) não integra a remuneração posto que são eventuais e desvinculados do serviço prestado pelo empregado”. Além disso, afirmou que “os valores pagos a título de Prêmio Idéia (SIC) não decorrem de condições objetivas preestabelecidas, podendo o empregado apresentar a ideia e não ver o reconhecimento” e que “as ideias não necessariamente se vinculam a produtividade do empregado o que, segundo a doutrina e jurisprudência trabalhistas, afasta o caráter remuneratório da verba.”
Após decisão desfavorável na 1ª Instância Administrativa, que manteve a autuação, houve interposição de recurso voluntário, ao qual foi dado provimento, por unanimidade, para afastar a tributação sobre o referido prêmio.
O voto condutor da decisão afirmou que as contribuições previdenciárias possuem como base de cálculo a remuneração percebida pela pessoa física exercício do trabalho. Nesse contexto, a decisão afirmou que com a evolução do direito do trabalho e dos direitos laborais, consolidou-se o dever de pagamento da remuneração pela execução do trabalho, mas também quando não há prestação de serviços, mas o empregado encontra-se a disposição do empregador. Há também as situações em que o empregado não está à disposição do empregador, mas mesmo assim recebe remuneração, como é o caso das interrupções do contrato de trabalho, em decorrência de férias ou descansos semanais. Por fim, também há situações convencionadas pelas partes, das quais nasce o dever do empregador de pagar determinadas quantias aos empregados.
Consignou, então, que “a verba paga tem natureza remuneratória quando presentes: i) o caráter contraprestacional; ii) o pagamento pelo tempo à disposição do empregados, iii) o caráter de interrupção do contrato de trabalho; iv) ou o dever legal ou contratual do pagamento. Nesse, e somente nesses casos, a verba recebida diretamente do empregador terá natureza salarial. A essa verba, se acresce a gorjeta, e teremos assim, as verbas remuneratórias.”
Com base nessas premissas, a decisão concluiu pela não incidência das contribuições previdenciárias sobre os pagamentos aos empregados a título de prêmio por ideias. A decisão consignou que se trata de uma verba que não tem natureza contraprestacional, por serviços prestados em razão do contrato de trabalho.
O entendimento manifestado na decisão é irrepreensível. Realmente, não se pode admitir a incidência das contribuições previdenciárias sobre prêmios em razão de ideias concebidas por empregados. Além de não haver qualquer relação contraprestacional nessa premiação, trata-se de pagamento de natureza eventual, sem habitualidade.
A respeito do assunto, importa destacar que é pacífico o entendimento, em doutrina e jurisprudência, que são cinco os atributos da remuneração dos empregados: (i) habitualidade, (ii) periodicidade, (iii) quantificação, (iv) essencialidade e (v) reciprocidade. É o que se retira, dentre outros, dos art. 457, “caput”, e 458, “caput”, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os quais exaltam os atributos da retributividade e da habitualidade como fatores intrínsecos à conceituação de remuneração e de salário.
Dentre esses cinco elementos, destaca-se a habitualidade, mencionada acima. Para Sergio Pinto Martins, “a habitualidade é o elemento preponderante para se saber se o pagamento feito pode ou não ser considerado como salário ou remuneração. O contrato de trabalho é um pacto de trato sucessivo, em que há a continuidade na prestação de serviços e, em consequência, o pagamento habitual dos salários.”
No plano previdenciário, os valores pagos aos empregados somente integram o salário-de-contribuição quando habituais. Tal entendimento pode ser retirado do art. 28, parágrafo 9º, “e”, 7, da Lei n. 8212:
Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
(…)
- 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:
(…)
- e) as importâncias:
(…)
- recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do salário; (…)”. (destaques aqui apostos)
A análise do art. 28, parágrafo 9º, alínea “e”, item 7, da Lei n. 8212, revela que, além da retributividade, é mister que a remuneração seja habitual, do contrário, isto é, quando eventuais e não revestidos da natureza de contraprestação do serviço prestado à pessoa jurídica, os valores pagos ao trabalhador não poderão sofrer a incidência das contribuições previdenciárias.
Corrobora a assertiva de que os ganhos eventuais não se inserem no campo de incidência das contribuições previdenciárias, o fato de que o item “c” do parágrafo 8º do art. 28 foi revogado pela Lei n. 9711, de 1998. Este dispositivo dizia que “Integram o salário-de-contribuição pelo seu valor total: (…) c) as gratificações e verbas, eventuais concedidas a qualquer título, ainda que denominadas pelas partes de liberalidade, ressalvado o disposto no parágrafo 9º”(destaques aqui apostos).
A maior prova de que a habitualidade é requisito essencial da incidência tributária é que o legislador, atento a esta característica, cuidou de revogar o citado dispositivo, já que sua previsão conflitava com a própria ideia de remuneração.
Esse entendimento restou consolidado no Supremo Tribunal Federal (STF), no Recurso Extraordinário n. 565.160, afetado pela Repercussão Geral, no qual restou consignado que:
“CONTRIBUIÇÃO – SEGURIDADE SOCIAL – EMPREGADOR. A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, a qualquer título, quer anteriores, quer posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998 – inteligência dos artigos 195, inciso I, e 201, § 11, da Constituição Federal.”
(RE 565160, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-186 DIVULG 22-08-2017 PUBLIC 23-08-2017)
A respeito do referido precedente, importante destacar que houve reconhecimento da repercussão geral apenas para definir o alcance da expressão “folha de salários”, contida na alínea “a” do inciso I do art. 195 da Constituição Federal(antes da Emenda Constitucional n. 20/1998, a expressão “folha de salários” constava do inciso I), conforme abaixo:
“CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PATRONAL – REMUNERAÇÃO – PARCELAS DIVERSAS – SINTONIA COM O DISPOSTO NO INCISO I DO ARTIGO 195 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – DEFINIÇÃO – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL ADMITIDA. Surge com envergadura maior questionamento sobre o alcance da expressão ‘folha de salários’ versada no artigo 195, inciso I, da Carta da República, considerado o instituto abrangente da remuneração.”
Assim, a decisão proferida pelo CARF, apesar de não ter se manifestado a respeito da questão da habitualidade, está correta, tendo em vista que a partir da análise dos fatos como retratados no acórdão não há dúvidas que o pagamento do prêmio em questão não era feito com habitualidade.
Em suma, portanto, ao afastar a incidência das contribuições previdenciárias sobre pagamentos a título de prêmio aos empregados por terem concebido ideias, a decisão conferiu a melhor interpretação à legislação tributária que rege a matéria.