Falta pouco para os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidirem sobre o redirecionamento das dívidas fiscais de empresas fechadas de forma irregular – sem o devido registro em cartório. Uma parte dessa discussão foi definida ontem: somente os sócios ou administradores que gerenciavam o negócio no encerramento das atividades podem ser responsabilizados.
Ou seja, mesmo aqueles que estavam à frente da companhia no momento em que os tributos deixaram de ser pagos não podem responder se tiverem se retirado da empresa, de forma regular, antes do fechamento.
Resta, agora, a parte final da discussão: entre os sócios e administradores que estavam na empresa quando ocorreu o fechamento irregular, quais devem ficar com as dívidas? Todos ou somente os que participaram do momento em que os tributos não foram pagos?
Os ministros da 1ª Seção julgam esse tema em caráter repetitivo, ou seja, com efeito vinculante para as duas turmas de direito público do tribunal e também para as instâncias inferiores. Eles concluíram, ontem, a primeira parte da discussão e começaram a julgar a final.
A relatora de ambos os casos é a ministra Assusete Magalhães. Ela votou pela possibilidade de sócios e administradores responderem pelas dívidas independentemente se estavam ou não na empresa no momento em que o tributo foi gerado ou deixou de ser pago. O ministro Og Fernandes acompanhou o entendimento.
Só os dois votaram na sessão de ontem. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista da ministra Regina Helena Costa. Ela tem até 60 dias, pelo regimento da Corte, para devolver o processo a julgamento.
A dissolução irregular ou a presunção – casos em que a empresa muda de endereço sem comunicar à Receita Federal – configuram ato ilícito capaz de tornar o sócio e os administradores responsáveis pelas dívidas tributárias da companhia. Por isso, a discussão no STJ.
A decisão que livrou os sócios que se retiraram antes do encerramento do negócio foi unânime. Essa primeira parte da discussão foi julgada por meio de três processos (REsp 1377019, REsp 1776138 e REsp 1787156).
Os ministros justificaram os votos com base na jurisprudência da Corte de que o mero inadimplemento de tributos não provoca o redirecionamento da dívida a sócios e administradores. Para que isso ocorra é preciso ter havido um ilícito – no caso em discussão, a dissolução irregular da companhia.
Em um dos casos em análise, disse a relatora, os tributos deixaram de ser pagos em 1992 e 1993 e o sócio vendeu a sua parte na empresa em 1996. No ano de 2007, a empresa foi fechada de forma irregular pelos novos donos. A Fazenda Nacional pediu o redirecionamento da dívida somente em 2010, ou seja, 14 anos depois de ele ter se afastado daquele negócio.
“É um julgamento importante e positivo para os contribuintes porque dá segurança jurídica, previsibilidade, no tema da responsabilidade tributária e dos negócios, das reorganizações societárias e compra e venda de participações”, diz o advogado Fabio Calcini, sócio do escritório Brasil, Salomão e Matthes. Ele atuou nesse julgamento pela Associação Brasileira do Agronegócio, que participou como parte interessada (amicus curiae).
A segunda parte da discussão, sobre os sócios e administradores que estavam na empresa quando ocorreu o encerramento irregular – ainda pendente de desfecho – está sendo julgada por meio de quatro recursos (REsp 1643944, REsp 1645281, REsp 1645333 e REsp 1867199).
Existe, hoje, uma divisão nas turmas que julgam as questões de direito público em relação a esse tema. As decisões na 1ª Turma dizem que o sócio só pode responder pela dívida se, além de participar do encerramento do negócio, também tiver sido responsável por não pagar o tributo. Já a 2ª Turma entende que basta estar no fechamento para ser responsabilizado.
A relatora, ministra Assusete Magalhães, que compõe a 2ª Turma, manteve a posição adotada até aqui. “A dissolução irregular da pessoa jurídica ou a presunção de sua ocorrência é o que configura infração à lei. O momento do não pagamento do tributo não tem relevância”, frisou ela no julgamento.
A ministra afirmou ainda que exigir as duas condições – participação no tributo e no fechamento da empresa – pode criar uma situação em que mesmo diante da ocorrência de um ilícito não exista sanção. Isso porque nem sempre os sócios que encerraram o negócio estavam na empresa no momento em que o tributo deixou de ser pago.
Especialista na área, Alexandre Chut, do escritório Vinhas & Redenschi, considera adequada a linha de raciocínio adotada pela ministra. “Porque se o ato ilícito que permite o redirecionamento da execução fiscal é a dissolução irregular da pessoa jurídica, em tese, quem cometeu esse ato é que deve ser responsabilizado pelas dívidas tributárias. O fato de estar na sociedade na época do fato gerador tributário não traz nenhum tipo de ilicitude capaz de atrair a regra da responsabilização tributária.”
Fonte: Valor Econômico