A pandemia de coronavírus no país alterou os planos do Supremo Tribunal Federal (STF) de pôr fim a impasses tributários que poderiam impactar as contas da União em cerca de R$ 577,3 bilhões pelos próximos cinco anos. Dos seis processos de interesse do Ministério da Economia que haviam sido incluídos na pauta do primeiro semestre, cinco foram retirados, sem previsão de nova data. O outro representou vitória de R$ 14,9 bilhões para o governo federal- apenas 2,5% da estimativa total prevista.
Em entrevista ao Valor em 2 de março, quando o Brasil registrava apenas dois casos de Covid-19, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, disse que a agenda tributária seria sua prioridade ao longo do ano. Ele queria deixar a presidência da Corte, o que ocorre em setembro, sem pendências quanto a esses processos, cuja falta de definição ainda gera insegurança jurídica.
Porém, com o agravamento da crise sanitária – o número de casos confirmados já se aproxima de 700 mil – e a intensificação das demandas judiciais relacionadas a ela, Toffoli se viu obrigado a reajustar o calendário. O único caso solucionado foi julgado no plenário virtual, plataforma em que os ministros depositam seus votos por escrito, sem debate público. A expectativa de destravar 34 mil processos paralisados nas instâncias inferiores foi reduzida a 2.109.
Um dos casos mais esperados do ano, agora sem data para voltar à pauta, era o recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) contra a exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo do PIS e da Cofins. Previsto para 1º de abril, o julgamento sanaria ao menos duas dúvidas: se a decisão tomada em 2017 pelo plenário da Corte só vale para casos futuros ou se deve retroagir; e se o valor do imposto a ser suprimido é o destacado na nota fiscal ou o efetivamente pago pelo contribuinte. A definição pode ter impacto fiscal de até R$ 229 bilhões em cinco anos e influenciar o desfecho de 9 mil processos.
Também foi retirado da agenda o recurso sobre a sistemática não cumulativa do PIS incidente sobre o faturamento das pessoas jurídicas prestadoras de serviços, com impacto de R$ 287 bilhões em cinco anos e em 432 processos em outras instâncias. O julgamento teve início em 2017, mas foi interrompido por pedido de vista. Já há maioria favorável à União. Esse caso deve ser levado em breve ao plenário virtual.
Outro caso importante para o governo é o que discute se as empresas devem ou não deixar de pagar contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade. O governo calcula que a manutenção da medida lhe custará R$ 6 bilhões em cinco anos – e defende que o valor não tem natureza remuneratória, já que a funcionária fica afastada do trabalho. Em outros tribunais, mais de 6,7 mil ações judiciais aguardam essa decisão, que deveria ter sido proferida em 2 de abril.
Ficou ainda de fora da pauta a análise do recurso que discute os efeitos da decisão do STF que autorizou o desconto, nas folhas de salário, das contribuições para o Sistema S. O julgamento ocorreu há sete anos, mas ainda gera dúvidas nos tribunais – prova disso são os 1.157 processos parados em outras instâncias. As contribuições atualmente pagas ao Sebrae, à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e de Investimentos (Apex), à Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) somam R$ 6,3 bilhões por ano. O julgamento estava marcado para 30 de abril, mas ainda não foi reagendado.
Por fim, o Supremo decidiu adiar o julgamento sobre a inclusão do IPI na base de cálculo do PIS e da Cofins recolhidos por montadoras de veículos em regime de substituição tributária.
Com impacto de R$ 8,9 bilhões em cinco anos e potencial de resolver 3,5 mil ações judiciais trancadas, esse era um dos últimos temas tributários do primeiro semestre: Toffoli havia marcado a análise do caso para 27 de maio, mas cancelou para abrir espaço às pautas relacionadas à pandemia de coronavírus.
Do planejado de março até aqui, apenas um recurso recebeu a atenção do plenário. Os ministros decidiram, por 6 a 4, que é constitucional a cobrança da contribuição para o Funrural incidente sobre a produção de segurados especiais.
Ainda cabe recurso, mas a tese fixada pelo Supremo alivia o governo federal, que estimava arrecadar R$ 2,9 bilhões a menos por ano se o resultado tivesse sido favorável ao autor, um produtor rural de Santa Catarina (SC). A decisão fez andar 2.089 processos que estavam parados na Justiça.
Além das pautas de interesse da União, questões envolvendo tributos estaduais e municipais também foram deixadas de lado para dar lugar às ações sobre a Covid-19 que demandavam urgência. Ainda não há nova data, por exemplo, para o plenário decidir se é possível ampliar a lista de serviços sujeitos à incidência de ISS. Dos processos previstos de março até aqui, só houve fixação de tese em um caso: aquele em que o Supremo entendeu que o ICMS não incide sobre demanda de energia elétrica, apenas sobre o consumo.
Responsável pela gestão da pauta, Toffoli deve decidir na semana que vem, quando volta de licença médica, se vai incluir na agenda do segundo semestre os processos tributários pendentes. Em março, ele disse ao Valor que os tribunais locais não destravam os processos parados até que se julguem todos os recursos no STF. “Então é sempre importante encerrar esses casos.”
Em nota, a PGFN afirmou que o remanejamento da pauta do STF é uma “medida de sensibilidade” do tribunal diante do cenário delicado da pandemia e que as discussões sobre temas tão relevantes “merecem ser tratadas em ambiente de normalidade social e institucional”.