Nos bastidores do comércio exterior brasileiro, um documento tem chamado cada vez mais atenção, além de preocupação: a chamada Waiver Letter, pela qual o fornecedor estrangeiro renuncia ao direito de receber o pagamento pela mercadoria vendida ao importador brasileiro. À primeira vista, parece um simples gesto de liberalidade comercial. Mas, na prática, o tema é bastante complexo.
Do ponto de vista civil, a Carta de Renúncia é amparada pelo artigo 385 do Código Civil, que reconhece a remissão de dívida como forma legítima de extinção da obrigação. A questão é que, quando essa renúncia envolve uma operação de importação, entram em cena outros atores, como Banco Central e Receita Federal, exigindo-se a analise da situação sob os aspectos: cambial, tributário e aduaneiro.
A Carta de Renúncia é, em essência, uma declaração formal do exportador, perdoando parcial ou totalmente o valor devido pelo importador brasileiro. Embora a legislação de comércio exterior não a mencione expressamente, o documento é aceito como manifestação válida de perdão de dívida — observando-se algumas providências.
A primeira delas é a formalização adequada: assinatura do credor, legalização no país de origem (ou apostila, conforme a Convenção de Haia) e tradução juramentada no Brasil. Parece burocrático, mas sem essas etapas o documento perde valor jurídico e pode gerar sérios problemas no futuro.
O passo seguinte é o registro do Perdão da Dívida no Banco Central do Brasil, em até 30 dias após o perdão, nos termos da Resolução BCB nº 278/2022. A inobservância desta exigência está sujeita a aplicação de penalidades.
Do ponto de vista tributário, o perdão não é neutro. O CARF tem acatado o entendimento do Fisco de que o valor perdoado configura acréscimo patrimonial e, portanto, receita tributável, salvo quando comprovada liberalidade pura, sem qualquer contraprestação comercial.
Há também o aspecto aduaneiro: se a Carta alterar o valor efetivo da transação, o importador deve retificar a Declaração de Importação (DI) e manter documentação robusta para justificar o novo valor. Caso contrário, há risco de autuação por subfaturamento, com penalidades severas, incluindo multa de até 100% da diferença do imposto devido e, em casos mais graves, perdimento da mercadoria.
Nas operações por encomenda, o tema ganha contornos ainda mais delicados. Nessa modalidade, quem importa formalmente é o importador – trading company, mas a mercadoria é destinada a um terceiro — o encomendante. O importador, nos termos da legislação aplicável, é o responsável exclusivo pelo pagamento da aquisição da mercadoria ao fornecedor estrangeiro.
Desse modo, caso o exportador perdoe a dívida apenas do importador, mantendo a obrigação de pagamento em face do encomendante há o risco de descaracterização da modalidade de importação por encomenda para importação por conta e ordem de terceiros, por parte da Receita Federal; Com isso, a aplicação das penalidades cabíveis e consequências que podem afetar a utilização dos benefícios fiscais de ICMS.
Além disso, na hipótese de inadimplência por parte do encomendante, o credor (exportador) poderá buscar o pagamento ajuizando ação em face do ambos. Em tese, o importador usará a Carta de Renúncia como instrumento de defesa, porém ainda não há jurisprudência consolidada sobre o tema.
A Carta de Renúncia, portanto, é um instrumento possível e legítimo dentro do sistema jurídico brasileiro. Mas sua utilização exige rigor técnico e absoluto cuidado documental. O mesmo mecanismo que pode resolver um impasse comercial também pode abrir caminho para autuações severas, caso não seja manejado corretamente.
As equipes Cível e Aduaneira do Gilli Basile Avogados estão à disposição para analisar se no seu caso especifico a utilização da Waiver Letter é a opção que trará a segurança jurídica esperada. Caso tenha interesse, solicite o contato de um especialista da área.
Por Bruno Tostes e Larissa Vogel Link