O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) cancelou uma cobrança fiscal de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que estava baseada apenas no artigo nº 116 do Código Tributário Nacional (CTN). Segundo os conselheiros da turma, o dispositivo ainda não foi regulamentado.
Em julgamento de 27 de agosto, a 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção entendeu que a aplicação do parágrafo único do artigo nº 116 do CTN depende de o Congresso aprovar uma lei que liste os procedimentos a serem observados pela Receita Federal.
Segundo interlocutores próximos ao Carf, a fiscalização costuma usar esse artigo acompanhado de outros critérios legais para fundamentar as autuações. Casos como este, de aplicação isolada do artigo nº 116, seriam raros no tribunal administrativo.
O dispositivo é uma norma geral antielisiva, que permite à Receita Federal desconsiderar os aspectos formais de um negócio que visa a esconder o fato gerador do tributo. Neste caso, a fiscalização usou o dispositivo para acusar uma importadora de carros de luxo de criar uma estrutura empresarial abusiva com o objetivo de sonegar o IPI.
A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Parágrafo único do artigo nº 116 do CTN
O processo apreciado em agosto envolvia a Via Itália, importadora exclusiva de carros de marcas como Ferrari e Lamborghini. Segundo a Receita Federal, a Via Itália havia criado artificialmente uma empresa no Brasil, que funcionava como intermediária entre ela e as concessionárias de veículos, para manipular artificialmente o preço dos automóveis e sonegar impostos.
A fim de reduzir a base de cálculo do IPI, a importadora venderia os carros com um valor muito barato, próximo ao de custo, para a empresa intermediária. Por sua vez, a intermediária incluiria a margem de lucro de 70% apenas na revenda dos veículos para as concessionárias, operação sobre a qual não incide o IPI.
Por unanimidade, a turma do Carf entendeu que o auditor fiscal só pode usar o artigo nº 116 como único fundamento de um auto de infração se o Legislativo aprovar uma lei ordinária que o regulamente. O governo propôs a regulamentação do artigo nº 116 do CTN em 1966, 2002 e 2015, mas o Congresso rejeitou as três tentativas.
Com isso, o Carf cancelou a cobrança de IPI. Os julgadores não deliberaram sobre o possível abuso no planejamento tributário, mas entenderam que a cobrança dos tributos tinha problemas de fundamentação.
O relator do processo, conselheiro Leonardo Ogassawara de Araújo Branco, comentou que o auditor fiscal poderia ter baseado a autuação em fundamentos como o Valor Tributário Mínimo (VTM), que na visão dele levaria à manutenção da cobrança. Previsto na legislação do IPI, o VTM se destina a evitar a manipulação de preços e a sonegação de tributos em operações realizadas entre empresas do mesmo grupo.
Não se trata de uma defesa incontida do planejamento tributário, mas de uma postura comprometida com a fundamentação das decisões.
Relator do caso, conselheiro Leonardo Ogassawara de Araújo Branco, durante o julgamento
Precedente do 116: Eike Batista
A 1ª Turma da Câmara Superior discutiu a aplicação do artigo nº 116 do CTN ao julgar um auto de infração lavrado contra a mineradora MMX, do empresário Eike Batista, que também estava baseado em outros fundamentos. Em julho deste ano, o colegiado manteve a autuação fiscal, em decisão favorável à Fazenda Nacional. Ao tratar especificamente da norma geral antielisiva, a turma decidiu por maioria pela eficácia da regra.
A cobrança fiscal somava aproximadamente R$ 2 bilhões em Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Após a derrota na Câmara Superior, o contribuinte pode recorrer ao Judiciário.
Por maioria, a 1ª Turma decidiu a favor da eficácia do artigo nº 116 sob o argumento de que o decreto nº 70.235/1972 regulamenta o procedimento fiscal. Apesar de a norma ser anterior a 1988, a Constituição recepcionou o decreto com força de lei ordinária.
Assim, de acordo com a Câmara Superior, a exigência de regulamentação por lei ordinária no artigo nº 116 do CTN estaria suprida pelo decreto publicado em 1972. O placar favorável à eficácia da norma geral antielisiva se deu por cinco votos a três.
Por: JAMILE RACANICCI
Fonte: JOTA