O governo federal vai cobrar em 2021 os registros das operações de importação e exportação de serviços que deixarem de ser feitos pelos contribuintes neste ano. A informação foi divulgada pelo Ministério da Economia dias depois de, sem muitas explicações, ter desativado o Siscoserv – sistema que armazena esses dados.
A medida pegou o mercado de surpresa e vinha gerando especulações de que poderia ser o fim desse sistema. O Siscoserv foi instituído pela Lei nº 12.546, de 2011. Desde então, empresas e pessoas físicas são obrigadas a fornecer ao governo informações relativas à contratação e prestação de serviços ou qualquer outra transação internacional que altere patrimônio, sob pena de multa.
Foi criado para dar à fiscalização maior controle sobre as operações que são realizadas entre residentes e domiciliados no Brasil e no exterior. O banco de dados do Siscoserv serviu de apoio, por exemplo, para grandes operações contra lavagem de dinheiro e sonegação – Lava Jato e Zelotes entre elas.
Os contribuintes não foram avisados previamente de que o sistema sairia do ar. Tomaram conhecimento ao tentar acesso, por meio de uma mensagem na página de entrada do sistema. “Foi desativado a partir de 11/07/2020 por determinação do Ministério da Economia”, consta no aviso. A mensagem ainda diz que para esclarecimentos seria necessário entrar em contato por meio do Comex Responde, um serviço para o envio de dúvidas sobre comércio exterior.
Segundo o Ministério da Economia, a desativação vem na esteira de uma Portaria Conjunta da Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais e da Receita Federal, a nº 25, do dia 26 de junho, que suspende temporariamente – de 1º de julho a 31 de dezembro – o prazo para a inclusão dos registros no Siscoserv.
“O cenário de pandemia acarretou a necessidade de redirecionamento dos recursos orçamentários do governo federal para ações de enfrentamento à crise sanitária”, informa por nota o Ministério da Economia, sem dar detalhes da quantia gasta para manter o sistema.
Afirma ainda, nesta mesma nota, que os registros que deixarem de ser efetuados no Siscoserv ao longo deste ano deverão ser inseridos a partir de 1º de janeiro de 2021. “Neste sentido, a partir da data mencionada, os prazos para a realização dos registros serão retomados do exato ponto em que se encontravam antes do período da suspensão temporária.”
Esta informação, no entanto, não consta em norma e não estava clara para os advogados da área tributária. Ainda assim, os profissionais vinham, durante a semana, orientando os seus clientes para que guardassem as informações referentes às transações internacionais feitas no período em que o sistema estiver fora do ar.
“Precisam manter o controle dessas informações de forma paralela, numa planilha de excel, por exemplo, para evitar problemas no futuro”, diz o advogado Carlos Navarro, do escritório Galvão Villani Navarro.
Sócia da área tributária do escritório Trech Rossi Watanabe, a advogada Clarissa Machado entende que o governo terá que estabelecer um prazo “razoável” após a retomada do sistema para que os contribuintes possam incluir os registros de 2020. O Ministério da Economia ainda não se manifestou sobre como isso será feito.
Também não está claro como ficam as situações de contribuintes que têm pendências com o Siscoserv. Condição, por exemplo, de quem realizou transação anterior à suspensão do prazo e não havia incluído o registro até o dia 11 de julho – a data em que o sistema foi desativado.
Há especulação do mercado, no entanto, de que o Siscoserv pode não ser retomado da forma que existia até agora. Uma mensagem enviada pelo Comex Responde a um advogado, que circula em grupos de WhatsApp, alimenta esse rumor. Diz que as providência tomadas pelo Ministério da Economia “não afetam a avaliação que o governo federal vem realizando, desde o ano passado, sobre possíveis mudanças no modelo brasileiro de coleta de dados relativos ao comércio exterior de serviços”.
Desde que o Siscoserv foi instituído, em 2011, há muitas críticas por parte das empresas. Principalmente pelo aumento de burocracia e por causa das multas aplicadas a quem não cumprir a obrigação – consideradas altas. Variam entre R$ 500 e R$ 1,5 mil se a operação não for registrada e pode chegar a 3% do valor da transação se for constatado erro na informação prestada.
A Federação das Empresas de Serviços Contábeis (Fenacon) apresentou ao governo federal, no ano passado, um documento com 30 medidas urgentes para a desburocratização. Uma delas é a extinção do Siscoserv. Para a entidade, poderia ser acrescentado mais um bloco, registro ou campo dentro do Sistema Público de Escrituração Contábil (SPED), o arquivo digital em que constam as informações fiscais e contábeis da empresa.
“O apelo do Siscoserv é estatístico e não faz sentido onerar o contribuinte com uma obrigação acessória que tem essa finalidade”, diz Alexandre Gleria, sócio do ASBZ Advogados, acrescentando que o Brasil, por causa da burocracia, é um dos países em que mais se gasta tempo no mundo para cumprir com as obrigações fiscais.
Um estudo feito pela ROIT, empresa de contabilidade e tecnologia, quantificou a burocracia em valores. Revela que as empresas brasileiras gastam cerca de R$ 160 bilhões por ano com serviços de contabilidade. A maior carga, cerca de R$ 100 bi, está na conta das que são tributadas pelo regime do lucro real – aquelas com
faturamento de mais de R$ 78 milhões por ano, o que corresponde a só 3% do total das empresas do país.
O estudo inclui o microempreendedor individual, as empresas do Simples Nacional, as que estão no lucro presumido e as do lucro real. Para chegar aos R$ 160 bilhões foram levados em conta o número de empresas existente em cada grupo e o valor médio que elas pagam por mês em serviços de contabilidade.
“Esse é o preço da burocracia”, afirma Lucas Ribeiro, sócio-diretor da ROIT. “As empresas, muito provavelmente, estariam dispostas a gastar esse valor com uma contabilidade estratégica, ou seja, em benefício delas. Não é o que acontece hoje. O gasto em contabilidade é para obrigação acessória e apurações complexas de tributos, guias e mais guias que são geradas.”
Fonte: Valor Econômico